sábado, 10 de agosto de 2013

A vida, dos amores que tive. Parte 1

Como saber se uma cena do cotidiano ficará na nossa memória por toda vida ou será esquecida dias depois? Um episódio marcante é facilmente relembrado, como o primeiro beijo, um anúncio de falecimento, o primeiro dia de aula ou trabalho, uma briga intensa, e coisas similares. Mas quando se trata de um evento comum, como entrar em casa com sua madrinha, ou andar de patins com seu pai, admirar uma foto avulsa, ou ver um desconhecido na rua, o que torna tais circunstâncias memoráveis?
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Eu participava de uma feira do conhecimento, parecida com aquelas feiras de ciência dos filmes. Mas era de todas as matérias. Eu estava no bloco da matemática, obviamente. A matemática sempre teve um papel especial na minha vida. A professora me liberou por alguns momentos e eu fui olhar algumas salas. Entrei na de inglês: era outra matéria que me fascinava. Mas naquele ano o espanhol estava junto. Havia fotos de vários países onde a língua pátria era uma das duas. Olhei várias, inclusive uma que tinha um castelo, e outra que tinha um homem de sunga na praia. Não era uma pessoa chamativa: eu diria que tinha sua beleza, mas não me apegaria a isso, não era algo destoante  tão marcante.
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Era a última semana de aula de 2003. Eu queria achar o irmão de um garoto que eu gostava. Parecia que iam mudar de colégio e eu queria confirmar a história. Andando em uma rua próxima ao colégio avistei um homem que não conhecia. “Buenas”, ele disse. Respondi com um sorriso. Continuei minha busca e o homem sumiu na multidão, do mesmo jeito que chegou.
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Não me lembro do motivo de estar subindo até o terceiro andar. Segurava o fichário nas mãos, e ia contra um enxame de pessoas que desciam. Acho que seguia alguém, pois quando trombamos nossos ombros, eu não olhava por onde andava, mas fixamente para algum lugar que já me esqueci. Derrubei minhas coisas, ele se virou pra me ajudar e pedir desculpas. A culpa foi minha, pensei. Sorri e ele se foi. Nem cheguei a agradecer.
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Três cenas estranhas, que não fazem sentido algum separadamente. Ainda mais quando se trata de um desconhecido. Mas era sempre o mesmo desconhecido. Por que estes eventos ficaram guardados? Só mais de um ano depois do primeiro caso eu iria saber.

No início ele era uma pessoa normal. Absolutamente normal. Algumas amigas minhas retratavam seu deslumbre com a sua beleza, mas nada do que elas falavam fazia sentido pra mim. Ou eu só não queria que fizesse. Começamos a conversar. Era inteligente, notava-se rapidamente. Mas não era uma inteligência clássica e acadêmica, como um daqueles mini-gênios que aparecem em programas de TV ou são retratados na história, Stephen Hawking, Einstein, Marie Curie... Talvez ele dominasse a arte de fazer amigos. Fui me aproximando. Comecei a notar seu perfume. Nunca encontrei semelhante, embora tivesse buscado incansavelmente. Mas até então era só. Um perfume marcante e uma boa conversa. Mas isso não era nem o começo do que estava reservado pra nós.
Era julho, 5 meses depois de nos conhecermos de fato. Percebi que tudo o que minhas colegas diziam no início do ano não só fazia sentido, como eu achava ainda mais. Percebi que tinha conhecido a pessoa mais incrível do mundo. Ao menos pra mim e pra outras dezenas de outras pessoas que o conheciam também. Ele tinha sido assaltado, e precisava voltar à Argentina, refazer seus documentos. Eu ficaria três semanas sem vê-lo, o que parecia ser tempo demais. Despedimo-nos com um abraço apertado, e esqueci o resto do mundo naquela hora. E mesmo sabendo que durou um bom tempo, sempre seria curto demais. Quando nos separamos parecia que todos olhavam para nós. Virei-me e fui embora sem olhar pra trás. A timidez ainda me sufocava um pouco.
Ao longo de um ano e meio, conversamos muito (minhas contas de telefone que o digam!), e aprendemos muito juntos. Mas, bem, ainda era o começo. Ele estava de partida. Não era como aquela, de três semanas, ou como férias normais. Era definitivo. Talvez ele nunca mais morasse aqui, e se voltasse, ficaria muitos anos fora. Bom, realmente não era seu lugar. Não posso dizer que foi fácil vê-lo ir, muito pelo contrário. Lembrava-me dele em cada esquina que conversamos, em cada coisa que partilhamos. Senti muito sua falta, de verdade. Mas o que ele faria lá fora era muito maior. Eu ainda não sabia.
Era uma quarta-feira de 2007, ultima semana de aula, liguei o computador rapidamente, por 15 minutos. Não havia motivo especial para isto, só vontade de checar as coisas. Entrei no bate-papo (nem sei porquê, já que ia desligar o pc em minutos), e foi quando o vi online. “Estou em BH”, ele diz, quando me viu entrar. Fiquei em choque. Depois de me recuperar, perguntei se no dia seguinte ele tinha compromisso. Só a tarde, foi a resposta. Marcamos de nos encontrar às 11:50 então. Eu nem sabia como faria isto, pois estaria em aula nessa hora. Mas eu daria um jeito. Sempre dei.
No dia seguinte nos encontramos. Ele não era mais a mesma pessoa que saiu daqui, a começar pela barba, que agora estava enorme, e a cor do seu rosto, que agora estava queimada de sol, como se tivesse caminhado muito durante o dia nos últimos tempos. Começava uma nova fase pra mim naquele ano, e as coisas mudaram também depois daquele encontro.  Nos anos seguintes nossas conversas se tornaram mais raras, porém cada vez mais construtivas. Sempre tínhamos um detalhe para acrescentar, algo pra aprender um com o outro, sobre política, sobre religião, sobre a vida e seus amores. Sobre tudo enfim.
(...)

O amor não acaba, ele se transforma.

E pode se transformar em várias coisas. Há aqueles que se transformam em ódio. Aqueles que se transformam em saudades. Aqueles que se transformam em amizade. E aqueles que se transformam em mais amor ainda. Mas aquele que se amou tanto nunca lhe é indiferente. E foi assim conosco. Quanto maior o salto, maior o tombo, é o que dizem. Depois de tudo que aconteceu aquele ano, decidi colocar as coisas em seus lugares, e viver uma nova vida. Nossa amizade pode não ser a mais intensa, ou mais bela, mas certamente deixou marcas que nunca serão esquecidas, e mais que isso, que determinaram e muito nossas vidas.
O homem é a soma daquilo que ocorre a sua volta, quando uma pessoa convive um determinado período com outra, influencia seu jeito de viver, suas ideias. Mas com o passar do tempo, você pode se modificar novamente e não serem mais parecidos. Depois de tanto tempo eu mudei, e muito. Certamente não temos as mesmas ideias e ideais. Mas a essência, aquela esperança que um dia ele depositou em mim, e todas suas consequências... bem... esta ficou.

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